
O “bem viver” é perspectival
Quando se discute a possibilidade de se “viver bem” devemos considerar o social, o subjetivo, bem como os valores e as crenças de uma dada cultura, na medida em que somos marcados pelo contexto e pelas nossas experiências através do processo de interação. Portanto, há uma relatividade nesse conceito do “bem viver” que pode ser […]
Quando se discute a possibilidade de se “viver bem” devemos considerar o social, o subjetivo, bem como os valores e as crenças de uma dada cultura, na medida em que somos marcados pelo contexto e pelas nossas experiências através do processo de interação. Portanto, há uma relatividade nesse conceito do “bem viver” que pode ser contextualizado a partir do ponto de vista de cada cultura, considerando que a nossa subjetividade é uma construção social, que somos marcados pelas nossas experiências e vivências desde a nossa formação uterina, passando pela infância e seus acontecimentos marcantes que nos aconteceram. Sendo assim, somos seres de contradições e ambivalências em processo constante de construção, portanto, inacabados.
Considero que o “bem viver” deve partir uma abertura para compreender as nossas ações, emoções, contradições, e experiências, num processo contínuo de adaptação ao novo e as mudanças do cotidiano sem se preocupar com a perfeição, mas, no movimento de entender o ser humano como parte de uma cultura, de crenças, de valores que devem ser questionados sempre, e de uma subjetividade em constante mudança.
Daí a necessidade da resiliência como capacidade de superação das adversidades presentes nas nossas vidas, bem como da autocrítica no sentido de superarmos nossas contradições. Portanto, não somos perfeitos. Vamos errar e aprender com eles, isso é bom, pois nos faz crescer a cada nova experiência vivida.
A psicanálise traz uma contribuição interessante sobre o entendimento do funcionamento do aparelho psíquico com relação ao ego, ao id (inconsciente) e ao superego. O ego é mediado pelo id e pelo superego não tendo uma total, mas relativa autonomia em relação às duas instâncias citadas. Quando o ego não tem condições de processar um excesso de estímulos, reprimindo-os surge a ansiedade.
As ansiedades poderão ser reduzidas a partir das operações mentais denominadas mecanismos de defesa, sendo inconscientes e processados pelo ego. O ego é o executivo da personalidade, sendo pressionado pelos impulsos instintuais ou pulsão e tenta se adaptar às exigências do princípio de prazer com o da realidade. A singularidade do psíquico é única. O ego é construído a partir das experiências e tensões, tanto internas como externas. Daí a complexidade do aparelho psíquico.
Freud, no volume XVII, quando aborda no texto uma dificuldade no caminho da psicanálise afirma que: o ego, em função do inconsciente, não tem total controle desses processos em função de suas percepções incompletas e de pouca confiança e afirma que o “ o ego não é senhor da sua própria casa”. Ele destaca que não temos controle sobre nossos instintos sexuais no sentido de serem totalmente dominados. Freud afirma que: “ O que está em sua mente não coincide com aquilo de que você está consciente; o que acontece realmente e aquilo que você sabe, são duas coisas distintas” (FREUD, vol. XVII, p. 152).
Já o superego está em sintonia com as regras morais, valores, crenças estabelecidas no grupo social do qual o indivíduo participa. Assim, o ego tem que se adaptar a essas exigências, às regras e às normas, ou seja, a consciência coletiva vai se incorporar à estrutura psíquica, constituindo o superego. O superego representa os valores socioculturais do indivíduo e o id representa a herança biológica que tem determinados momentos entrarão em contradição, por causa das demandas biológicas e as imposições socialmente constituídas pelo grupo social.
O ego tem o papel fundamental de buscar o equilíbrio entre as demandas irracionais do id e as normas e os valores impostos pelo grupo constituindo o superego. Mas nem sempre ele consegue se estruturar, ocorrendo às neuroses e as ansiedades.
Sendo assim, essas contribuições nos ajudam a entender o aparelho psíquico e a sua conexão com a cultura e seus valores e crenças. A partir disso, poderemos pensar no nosso viver em contexto. A discussão está posta! Até breve!
Maria do Carmo Gomes Ferraz
Psicanalista pela SCOPSI.
Naira
Comentou em 10/11/13Excelente texto esclarecendo de forma palatável conceitos complexos que compõem nossa estrutura psíquica e que nos levam ao equilíbrio ou desequilíbrio.